quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Misticismo Bizantino I: João Clímaco e Máximo

Trata-se do capítulo 8 da mesma obra de Basil Tatakis citada nos posts anteriores. Páginas 109 a 123.
São João Clímaco e São Máximo, Confessor, são santos da Igreja católica Romana quanto da Igreja Ortodoxa. Assim sendo, o legado de ambos não é exclusividade da ortodoxia oriental. O papa Bento XVI possui excelente ensaio sobre Máximo Confessor. O padre Paulo Ricardo de Azevedo comenta a obra de João Clímaco em sua terapia das "doenças espirituais".

Misticismo Bizantino I: João Clímaco e Máximo

Para falarmos sobre a Ortodoxia, precisamos adentrar profundamente em suas raízes místicas. Agora veremos um pouco mais analiticamente o Misticismo Bizantino em seu curso histórico, notando especialmente seus representantes mais importantes e as correntes mais importantes que emergiram neste fluxo.

1) O primeiro crescimento do espírito do asceticismo- Desde muito cedo, já no terceiro século, o espírito do asceticismo foi espalhado e aprimorado. Este é o período de Santo Antônio e Pacômio, o grande asceta do deserto egípcio. Uma grande multidão de Cristãos, que continuaram a aumentar todo o tempo, aceitaram a vida monástica e se voltaram para os mosteiros, a cidade dos anjos como eles chamavam, ou viviam uma vida eremítica, uma vida de 'anacoreta' no deserto, nas cavernas, ou em colunas de antigos prédios. Por meio deste absoluto desapego com relação aos cuidados da vida mundana, eles procuraram garantir espaço, o lazer e o contexto fértil que lhes permitiu avançar na perfeição.

Não demorou muito para que o monaquismo fosse grandemente desenvolvido e adquirisse tremendo prestígio moral. Seu prestígio foi tal que imperadores e patriarcas tinham de guardar na mente os ditos dos monges nos grandes assuntos eclesiásticos, religiosos e políticos. Isso foi natural para uma sociedade como a Bizantina, que viveu não apenas para compreender o ritmo da eternidade, mas também para apropriá-la aqui nesta vida terrena. Exatamente por isso, os Bizantinos acreditaram ser os monges capazes de alcançar um grau mais elevado de vida, com o tipo de vida que escolheram seguir. Eles eram os místicos, podemos dizer, da eternidade. Eles foram aqueles que se ergueram das coisas terrenas e mundanas para os lugares celestes.

Por toda parte em toda a era Bizantina, o asceticismo constitui um dos tons principais da vida, em muitos exemplos o mais importante. Foi natural encontrar nos círculos ascéticos a essência mística da Cristandade ser expressa mais vividamente. Todas suas vidas, desde os detalhes mínimos, lentamente e gradualmente conquistaram um sentido místico e simbólico, pensados e visualizados para um propósito maior. O hábito do monge, diz Santo Doroteu (século sexto), não possui mangas para que o monge possa chorar ao seu modo e para que ele não tenha mãos para o serviço do mal.

2) As duas correntes do asceticismo bizantino. Os monges, porém, não se tornaram conscientes de seus problemas em toda sua profundidade, nem todos o viram do mesmo modo, nem se voltaram todos eles para as mesmas questões. Isto é exatamente nossa tarefa aqui: tentar compreender os passos que foram tomados pelo misticismo bizantino em suas linhas mais importantes de desenvolvimento. Nesta minha visão, podemos distinguir em Bizâncio, duas grandes correntes de asceticismo que sempre coexistiram.

Por um lado, nós temos a forma externa mais popular, que foi dominante nos círculos dos simples monges e que foram formadas principalmente nos desertos do Egito. O principal objetivo neste misticismo foi 'a luta contra a carne'. Eles exercitavam a carne e a sujeitavam a todo tipo de prejuízo, já que por ser material, ela constituiria a encarnação do mal. Este tipo de asceticismo voltou-se com interesse especial para uma multidão de responsabilidades da vida cristã. Seu tema mais apreciado e familiar era um tratado sobre as virtudes e seus vícios correspondentes. Suas questões frequentemente nos lembram o espírito do neoplatonismo (que a matéria é um mal), e o asceticismo dos cínicos (na busca pela virtude). Desafortunadamente, este asceticismo mais popular e empírico e frequentemente mais visível, foi compreendido apenas  na base de seu excesso, e disso, muitas afirmações injustas foram lançadas sobre Bizâncio. O fato, porém, é que, mesmo este asceticismo nos deu tipos excepcionais de homens virtuosos que foram santos.



3) João Clímaco e sua escada.
No topo destes homens está João Clímaco, ou Escolástico (525-605). Ele foi chamado Escolástico por conta de sua grande erudição, e Clímaco por conta de sua principal obra intitulada Escada Espiritual (Κλϊμαξ πνευματική).

A  escada apresenta a mais alta forma de espiritualidade a qual este misticismo popular poderia chegar. É a suprema interpretação que pode ser dada ao misticismo baseado na sede de perfeição, o profundo amor pelo modo angélico de vida (a comunidade dos monges), em suma, pela virtude monástica. O nome deste trabalho único - a Escada - deriva da escada celeste vista por Jacó em sonhos. Os trinta capítulos, nos quais ela está subdividida e que são também chamadas de trinta degraus, alegoricamente denota os trinta anos da vida oculta de Jesus.

Escada foi a mais amada leitura dos monges bizantinos, mas também dos leigos. Poucos livros foram mais extensivamente lidos do que este. Há uma rica variedade de manuscritos nos quais esta obra sobrevive. Ademais, há muitas traduções desta obra em Siríaco, Latim, Espanhol, Francês, e dialetos eslavos que revelam seu alcance e reputação largamente.

Olhemos ao conteúdo da Escada. O autor começa com a ideia de que o monastério é a escola preparatória para a vida futura. O monge gasta todo o tempo de sua vida lá como um discípulo que se engaja numa forte batalha de modo a chegar ao cume da perfeição. Ele luta contra si mesmo e contra os demais inimigos. A Escada serve como guia e é designada para lhe mostrar o método pelo qual ele pode vencer a batalha e seu coroado como vencedor. Este método é, em última análise, uma pedagogia ou, melhor, um condutor da alma, como Platão teria dito de sua própria filosofia, embora com conteúdos distintos. A essência dela é como pode ser conduzida a alma de um pecador imperfeito, que entendeu o sentido da miséria do pecado em que tem vivido, para encontrar e voltar-se ao caminho da Luz que não se apaga, Deus.

Nesta difícil tarefa, o monge não pode esperar (e isto constitui a tônica mais essencialmente cristã) que ele será capaz de atingir a perfeição por si mesmo; isso engendraria a pior forma de egoísmo. O monge tem de chegar à suprema forma de humildade. com a qual ele limpará de si mesmo qualquer traço de egoísmo e assim adquirirá o poder de ser unido ao seu guia, seu pastor. Mas quem é o verdadeiro guia e pastor? A Escada diz que aquele que procura e descobre os que estão perdidos com sua própria bondade e sua própria atividade efetiva e oração, só pode ser o próprio Deus e isto pressupõe a própria batalha divina. Com tal poder pode-se salvar uma barco da tempestade, mas mesmo tirá-lo do abismo. O verdadeiro pastor conhece Deus por conta de uma luz interna que torna todos os textos redundantes. Não convém aos professores guiar os estudantes com cópias, com conhecimento que venha de fora. O verdadeiro pastor oferece às suas ovelhas suas próprias almas. O pastor reconhecerá esta sabedoria que vem de Deus quando ele puder conduzir à perfeição não apenas aqueles que são diligentes mas aqueles que são insubordinados e brutais. Ele nunca deixará de desempenhar o papel de 'lógos' às suas ovelhas mesmo quando eles pastam, ou quando vão dormir. Não há nada que  os lobos temam mais do que o eco da voz do pastor. É claro que o protótipo para os pastores na Escada é o próprio Cristo como o Divino Pastor. Mas examinemos por quais métodos os monges devem se guiar uma vez que encontraram o Pastor. Isto é descrito em 30 etapas (degraus).

4) A metodologia espiritual da Escada. O ponto inicial para a vida Evangélica é a renúncia às coisas mundanas e o seu fim é a impassibilidade (απατεια) a que se chega com sucessivo progresso. O monge, de acordo com a Escada, "é uma ordem e estado incorpóreo" dentro de um corpo material e incorpóreo. Ele começará, como dissemos, com a renúncia das coisas corpóreas, tão completamente quanto possível; e esta renúncia das coisas externas será seguida por um desprendimento interno das coisas do mundo. Em seguida, virá a saída do mundo. Sair significa, deixar tudo; este desprendimento é alcançado quando se está indissoluvelmente atado a Deus em pensamento. Esta partida nos salva da idolatria de ser vaidoso, a não existência, para alcançarmos o ser que verdadeiramente existe. Apenas em dois sentidos chegamos à 'impassibilidade' que é a 'morte da alma e a morte da mente, antes da morte do corpo'.  Neste sentido, a vida ascética o desviará de ter atenção ao que quer que lhe aconteça, ou ao seu redor, em uma medida humana, e o preparará a receber um outro ego, para entrar, como se fosse em outra vida para receber aquele que transcende o homem, Deus. Condenando à morte o mundo que está dentro dele, ele ressurge numa vida contemplativa. Esta perfeita saída torna-o digno daquela obediência que equivale à "mortificação dos membros no interior da mente vivente". O homem que chega a esta perfeita obediência apenas se lamenta quando ele se pega cumprindo sua própria vontade.

Neste perfeito isolamento, o monge  terá o estudo da morte como sua companhia fiel. O historiador Procópio já havia chamado a vida do monge como "um perfeito estudo da morte". O que é a morte, porém?  Morte, em significado mais próprio, é a separação de Deus. O verdadeiro asceta reconhecerá todos os dias que ele gastou seu tempo sem luto, considerando o dia perdido. Por que ele deve estar em luto? Por que o estudo da morte é uma morte diária e o estudo do momento que o espírito se livra em um suspiro incessante.  O asceta teme a morte porque ela pode vir a qualquer momento quando ele não estiver preparado; ele teme a morte que é a separação de Deus, a morte da contemplação que é ressurgir para este mundo. Ao estudar a morte, consequentemente, e ao estar em estado de perda, ele luta contra a morte e trabalha pela imortalidade. "É estranho, de fato" diz João Clímaco, "que os Gregos também dissessem alguma coisa análoga já que definiam a filosofia como o estudo da morte". Ele tinha em mente o Fédon de Platão, mas é claro que no caso de Platão, temos uma postura puramente dialética, ao passo que no caso de João ela é puramente mística.

Quando o monge vence toda sua fraqueza e os vícios da carne e da alma e quando ele se afasta do mundo e é gerado em seu pensamento o que está acima da criação, com um amor vigoroso pela virtude e por Deus, então, finalmente, ele chega a uma quietude santa de corpo e alma, cujo fim é a 'impassibilidade', a paz de uma alma redimida do tumulto das paixões. A única coisa que permanece nele é sua união com Deus. Para tanto, apenas a oração pode conduzi-lo, a oração que é uma conversação familiar do homem com Deus. Em sua perfeita forma, a oração é a experiência de ter-se tornado cativo de Deus.

5) Asceticismo, grego e cristão. O pensamento ascético contém, conforme já vimos, uma multidão de elementos da diatribe cínica e o discurso das virtudes dos estoicos, como também o tema neoplatônico da repulsa pela matéria. Isto não constitui, porém, uma regeneração da razão prática dos antigos. Logo é desnecessário reiterar que todos os elementos gregos são agora batizados na atmosfera cristã. As principais virtudes são agora fé, esperança e caridade, e a maior de todas, diz João Clímaco, é a caridade.

Amor incessante a Deus é a principal característica de uma alma pura. Unida a Deus pela pureza, a alma não terá necessidade da mente para ensiná-la. Neste estado abençoado, ter-se-á no interior de sua mente um líder místico e guia de luz. O homem não chega a Deus por um procedimento intelectual ou dialético, mas por uma união erótica de sua alma a Ele. João Clímaco é aquele que caiu de amor por Deus. O Menologion (livro litúrgico de cada mês) no dia 30 de Março diz que João Clímaco viveu por quarenta anos, como um anacoreta com um amor ardente e que sua alma estava queimando com o fogo do amor divino. É também dizer que este sentido de vida foi resultado da oração incessante e de amor infinito por Deus.

Este eros, porém, ainda não chegou à sua conclusão, já que o eros do homem para com Deus é mais destacado do que o eros de Deus para com o homem. É ainda sob a influência da Filosofia Platônica e Neoplatônica vista como um amor pela verdade. Sua conclusão chegará mais tarde, como será visto, principalmente com Simeão, o Novo Teólogo. Mesmo assim, deve ser dito que esta noção da união erótica da alma a Deus constitui um evento significativo; ela introduz para a vida da emoção aquele rico tom do qual deriva o idealismo moderno. Aqui, então, em Bizâncio e no contexto da teologia, eros toma a iniciativa. O sentimento cristão de pecado, por um lado, e a idealização da Mulher na personificação da Santíssima Virgem, por outro, nos dá o clima no qual "eros" em Cristo apareceu em todo o seu brilho ideal como o "eros" de um esposo, casado com a Igreja, que leva a alma para as alturas do casamento místico com Deus. A honra especial concedida à Santíssima Virgem já é acentuada no século sétimo: na pessoa dela, a mulher é idealizada, e isto é mais claramente revelado no famoso trabalho de Teófilo e Cassiano, que respectivamente representam o espírito do Antigo Testamento e o espírito do Novo Testamento com reconhecimento ao papel da mulher.

Quando esta ênfase mais tarde se volta para as relações humanas, define o supremo ideal, que faz de eros a figura de um cavalheiro que vê a mulher como um ser superior, como uma encarnação dos mais preciosos ideais de virtude e pureza. Em outras palavras, o eros dos místicos para com Deus é encontrado na base, ou constitui a fonte deste idealismo que é exibido no eros dos tempos modernos e que constitui uma das diferenças essenciais entre o mundo antigo e o moderno.

Foi apenas no Oriente então que se formou a Ortodoxia. Esta mesma Ortodoxia com seu eros místico para com Deus revela a riqueza emocional que preenche a vida com um intenso e supremo idealismo. Foi na Grécia Oriental que os textos ascéticos foram primeiro transmitidos a toda a Cristandade, especialmente a Escada, que é cheia de pulsão do divino eros que consome a alma do asceta com fogo.

Dizemos que a Escada frequentemente nos lembra a doutrina dos Estoicos e Cínicos. É verdade que especialmente para os Estoicos o supremo bem é a Impassibilidade, isto é, a serenidade da alma que permite o princípio hegemônico, a mente, estar completamente não distraída e ser realmente hegemônica. Também para João Clímaco, impassibilidade é o último e mais alto estágio. Com isto, o homem chega à mortificação de seus membros e não apenas dos seus membros mas de sua mente humana e de sua individualidade humana, e chega ao grau mais elevado de submissão. Para os Estoicos, a impassibilidade é um fim, e escopo último, a perfeição do homem. Quando ele chega a este estágio, o homem aceita este fato sem qualquer protesto, entra voluntariamente no ritmo do mundo, e aceita o papel que foi destinado para ele pelo Logos (Zeus). Uma vez chegando a este ponto, dizem os Estoicos, se um homem vê que o Logos destinou-lhe o papel de um rei ele aceitará o papel de um rei, mas se ele perceber que o papel atribuído a ele foi de um impostor, ele estará pronto a aceitá-lo. Esta aceitação voluntária constitui a suprema sabedoria de acordo com os Estoicos. Para os ascetas, porém, especialmente para São João Clímaco, a impassibilidade não é um fim, não é uma meta, mas um meio. É a condição a qual chega o homem quando se percebe que fez o que pôde, algo que lhe acontece. É a suprema forma de preparação, não para permanecer, mas para transcender a si, através da qual se pode perceber a luz de Deus ou apresentar-se diante de Deus. É a penúltima etapa antes da deificação, que é buscada pelo místico. É óbvio que é uma 'deificação' de acordo com a 'semelhança', 'pela graça divina' e certamente não 'de acordo com a essência'.

6) De João Clímaco a Máximo Confessor. Além deste misticismo, que chamamos de prático e empírico, que não pode completamente assimilar e transubstancializar a postura Grega (Deus como objeto de Amor), ou superá-la (o repúdio pela matéria) e por conta de onde veio a assemelhar-se muitas vezes à pessoa que procura por coisas externas a despeito de um desprendimento involuntário delas (já que isso se torna uma batalha estéril contra as tentações externas), há em Bizâncio outro procedimento místico mais elevado. Este tipo de procedimento supera o misticismo externo do deserto, perfeitamente adaptado às posições filosóficas habituais à essência da Cristandade, oferecendo um misticismo cristão em sua forma mais completa, e ao mesmo tempo muito mais genuinamente Grego do que os tipos prévios que tinham maiores cores orientais.

Frequentemente vemos em Bizâncio muitas influências orientais, que, podemos dizer, alteram ou modificam a profundidade grega. Nós não vemos igualmente, porém, uma forte batalha dos Bizantinos contra os Gregos em favor de uma essência puramente cristã, mas uma luta para superá-la, às vezes mesmo derrubá-la ou ainda adaptá-la de modo a proteger sua natureza. Assim, por exemplo, na arte, a despeito das influências orientais indisputáveis, é fácil separar a essência grega no sentido da harmonia, na nobreza da linha, e na síntese global. Ora, o mesmo se aplica com relação ao pensamento. Nós vimos como João Damasceno e João Filoponos rejeitaram todo tipo de superstições, preconceitos, teorias mágicas e astrológicas em nome da razão e da piedade cristã.

Nós observamos exatamente a mesma coisa na esfera do asceticismo. De uma batalha contra a carne e o interesse dominante nos deveres externos da vida cristã, o asceticismo é transformado em um procedimento místico em direção à deificação. Em outras palavras, Bizâncio se transforma quase que exclusivamente em uma forma de vida religiosa interna, i. e, a uma relação espiritual direta com Deus. João Clímaco estava pronto para entrar neste caminho. Mas podemos ver mais claramente em Máximo, e em sua forma mais completa, na exaltação do 'divino eros' em Simeão, o Novo Teólogo.

7) Os dois tipos de verdade de Máximo- Há, diz Máximo, dois tipos de verdade, e para sua realização nós usamos dois tipos de instrumento, 'razão' e 'mente'. O primeiro tipo, que nós obtemos com a 'razão', é o conhecimento humano comum, um resultado de silogismos. Para o conhecimento ser possível, porém, Máximo argumenta que deve existir uma correspondência entre o mundo sensível e o mundo inteligível. Há, de fato, tal correspondência? Este foi o problema básico que Platão tentou resolver com sua teoria das ideias e que Máximo tentou resolver através da alegoria e do simbolismo. Cada um destes dois mundos, ele diz, é uma alegoria e um símbolo para o outro para aqueles, é claro, que têm olhos para ver. Assim, o mundo inteligível encontra sua forma específica em um sentido místico nas espécies do mundo sensível que são símbolos. Novamente, o mundo sensível entra através do conhecimento no mundo inteligível e lá é organizado com padrões racionais. O mundo sensível expressa o mundo inteligível ao seu modo (as espécies), e nisto, novamente,  a realidade sensível se apresenta sob a forma de conceitos e silogismos. Logo, nós podemos compreender as coisas invisíveis pela visíveis e, mais importante ainda, nós podemos compreender as coisas visíveis pelas invisíveis por meio da contemplação espiritual. Simbolismo e alegoria estabelecem e pressupõe, como podemos ver, uma teoria completamente racional do conhecimento. Isso é o suficiente para o primeiro tipo de verdade.

O segundo tipo de verdade é a visão da "mente" que une o homem a Deus. Esta não é uma verdade no sentido usual do termo. É a vida em Deus. Por esta razão, se alguém chega a este ponto, um procedimento ascético foi requerido, bem como a aquisição de certas virtudes como o amor, a prudência e a oração.  Sem estes é impossível para a alma vir em contato com Deus de um modo perfeito. A primeira virtude pacifica o poder agressivo da alma (το θυμικον); a segunda regula o poder apetitivo (τήν έπιθυμία); e a oração separa da mente todos seus pensamentos e apresenta-se a Deus completamente desnuda. Pensamentos são percepções de seres existentes, mesmo que sensíveis ou inteligíveis. Quando a mente trata de tais coisas, ela se volta para cocepções derivadas delas. A graça da oração destaca-se a partir destas concepções e se volta a Deus. Assim, porque a mente voltou-se a Deus, torna-se ela mesma deificada pela divina radiação. Nós devemos claramente notar, porém, que nenhum procedimento ascéticos que está desprovido de amor pode nos tornar unos com Deus. É o amor que torna possível a nós tornarmo-nos Deus, por meio do amor de Cristo, que se tornou homem por amor ao homem. Porém, quando é que a oração nos separa de nossas concepções e pensamentos? isto ocorre quando o homem percebe que "ser" é mais do que "conhecer". Esta é uma etapa muito importante e necessária. Apenas assim a mente adquire uma relação íntima com Deus que é Aquele-Que-É (ό Ων), a razão de tudo. Apenas aqueles seres humanos que seguem este contato santo e deificado serão recompensados com a "deificação pela graça" (θεωσιϚ κατα χάριν). 

8) Os dois tipos de perfeição. Como temos dois tipos de conhecimento, duas verdades, assim temos dois graus de perfeição, uma que é conhecer (το γινώσκειν) e ser (το ειναι).  A primeira é própria ao homem e a segunda é própria a Deus. A Graça de Deus pode fazer o homem alcançar a perfeição de ser (το ειναι). Para alcançarmos isto temos de eliminar da alma todo silogismo, toda concepção, para que ela seja purificada. Apenas assim ela será inundada com o "ser". Este impulso para o "ser", que supera o "conhecer", não constitui um método para a coquista da verdade, enquanto realidade sensível, mas preferencialmente uma forma de asceticismo, uma perfeição da vida, uma regra de moralidade e conjuntamente uma filosofia. Nós vemos em Máximo, como vimos em Pseudo-Dionísio, o início das visões que João Damasceno mais tarde deu prosseguimento, os caminhos que todos os místicos da Cristandade seguiram. Também vemos como os temas empíricos dos simples ascetas da Tebaida, e mesmo João Clímaco, tornaram-se nas mãos de Máximo mero discurso teorético (logos), uma investigação esotérica, uma síntese filosófica, que  englobava o todo do universo e tentava interpretá-lo; uma busca não para a missão de luta contra a carne, mas para a iluminação da mente enquanto mente. Quando a mente está esclarecida, então tudo é transubstanciado.

Máximo observa que isto não significa que por conta do "ser" ser mais elevado que o "conhecer" que o último não tenha serventia, ou que devemos desprezá-lo. "Conhecer" é o primeiro estágio necessário, e nós temos que ser treinados nesta escola; devemo-nos nos preparar a nós mesmos para que venha o 'insight' por meio da qual chegamos à 'theosis' (deificação). 'Conhecer' nos revelará os mistérios que estão na raiz das coisas, dando-nos o ímpeto de superá-los. Esta superação não é um ato no escuro irracional, mas um caminho pleno de luz.

9- A criação do homem em Máximo 'pela imagem e semelhança' de Deus. Para compreendermos a profundidade desta antropologia, que está oculta sob este 'insight' e a 'deificação', nós temos de retornar ao Antigo Testamento. Máximo é especialmente atingido pela decisão de Deus na criação do homem. "E Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gen. 1:26). Máximo faz desta decisão o centro do seu pensamento e a procura na essência do homem, em especial na essência dos Cristãos. "Feito à imagem" significa propriamente, de acordo com Máximo, "a mente e a vontade livre" (το αυτεξουσιον); ela também significa os dons sobrenaturais que são concedidos ao homem "à semelhança de Deus", quer dizer à ordem moral, no exercício da virtude. O termo 'semelhança' significa operação, a habilidade do homem de assimilação o torna semelhante a Deus. Isso pode ser alcançado apenas por aquele que é bom e sábio. Toda decisão de Deus nos obriga a entender como natureza humana aquela natureza que é intacta e com a qual o homem saiu das mãos do Criador, e age de acordo com sua natureza, isto é, de acordo com a razão, mente ('sob à imagem'), lei e virtude ('e semelhança').

A natureza humana, assim entendida, coloca em todo Cristão o dever intensivo de retornar e encontrar sua condição inicial de homem, ou melhor, de realizar em si mesmo a natureza tal qual Deus lhe concedeu. O retorno à condição inicial constitui o objeto do asceticismo de Máximo. Constitui o mais puro chamado ao auto conhecimento (αυτοϒνωσια). Máximo também fornece os meios para se alcançar este fim, um meio incidentalmente muito grego, de diminuir dia a dia mais e mais a parte irracional da alma.

10. O entendimento de Máximo do asceticismo cristão: uma visão geral. O asceticismo de Máximo é imbuído de grande otimismo. É um otimismo que deriva de sua convicção sobre a natureza humana regenerada e a atividade suprema da alma; ela é conectada com as almas virgens e puras que captam o espírito da Cristandade. Tornar-se justo e santo, ser unido a Deus no esplendor do espírito, isto é onde o asceticismo de Máximo conduz. Lembra-nos o Fédon de Platão, onde a deificação da alma está na base de sua purificação (καθαρσις) das paixões. A alma que foi assim purificada está também unida com Deus por meio da contemplação (θεωρια).

Para Máximo, asceticismo não é martírio de uma carne alegadamente impura, mas limpeza de espírito e alma, que é necessária se alguém está unido a Deus que é inteiramente espírito e verdade. Além destes elementos, porém, que possuem uma origem Grega, temos também os elementos bíblicos. A imagem Adâmica do homem faz a natureza espiritual transbordar e espalhar por todo corpo, esperando também abraçar a imortalidade. Assim, a plena realização da natureza humana exige o dom sobrenatural da 'impassibilidade' que conduz a um real estado de ausência de pecado. Há um meio para se alcançar isto. Para realizar esta tarefa, o homem tem de permitir a livre ação do desejo que o Criador colocou na alma do homem, já que Este que lhe deu meios de entendê-lo apenas de maneira obscura. O santo desejo permite ao homem efetivar essa bem aventurança, e redescobrir sua natureza Adâmica. A mente de Máximo frequentemente vai para esta bem aventurança inicial, para o homem do paraíso. Assim, devemos dizer que ele tem nostalgia pelo menor paraíso que seja, o qual ele expressa, até mesmo, em forma de hino.  No coração, místicos são poetas.

Após a Queda, Adão tornou-se um tipo de ser decaído. Por quê? Por que ele desviou sua habilidade de movimento natural para Deus e sujeitou seu espírito à sensualidade, buscando sua felicidade nos entes sensíveis. Com este pecado inicial ou original, o homem perdeu sua harmonia inerente a qual concedia  unidade entre sujeito (homem) e objeto (Deus). Em lugar de harmonia aconteceu desarmonia e em lugar de Deus, sensualidade; disto a iminência de todo tipo de perigo e erro que derivam deles. Em outras palavras, a despeito de seguir o sentido superior o homem optou pelo inferior. No entanto, Cristo veio e alcançou a restauração da humanidade. Ele se fez homem sem pecado, de modo a nos fazer deuses (não de acordo com a essência). A assimilação de Deus pela natureza humana deve ser correspondida pela nossa assimilação de Deus. Assim, o homem que foi criado "de acordo com a plena imagem de Deus" e "semelhança" é obrigado a elevar-se a esta semelhança inicial ou perfeita semelhança. O homem, então, não descobrirá Deus no interior de si mesmo. Em seu interior ele descobrirá apenas sua própria natureza em estado inicial ou de integridade original, tanto quanto os instintos espirituais que o levam à deificação. Esta deificação acontece de um modo que é inefável e místico. Qualquer que seja o reconhecimento que Máximo faz do conhecimento, no fim ele nos mostra claramente que o procedimento racional é insuficiente se estamos querendo chegar a Deus. Nós só podemos ir pelo impulso de sermos unidos a Deus. O impulso de ser unido a Deus e a noção de deificação, estes dois conceitos, constituem a base do misticismo de Máximo, o supremo misticismo de Bizâncio.



sábado, 2 de fevereiro de 2013

Pensamento Bizantino: Uma Introdução

O texto que posto agora possui as mesmas referências bibliográficas do anterior. Trata-se do capítulo V da referida obra de Basil Tatakis, páginas 65 a 79, que fala sobre o pensamento bizantino.

Meu amor pelo cristianismo ortodoxo nasceu já na minha infância e foi crescendo com o passar dos anos. Nascida numa família católica romana, entrei numa Igreja Ortodoxa pela primeira vez em 2003 e senti que lá era meu lugar. Nunca consegui, no entanto, seguir direito nenhuma religião. Isso não é uma defesa à negligência em matéria religiosa, é apenas a constatação de certa indisciplina minha.

Anos depois conheci um sérvio que se tornou meu esposo. Casei-me com ele na Igreja Ortodoxa, na Sérvia. Quem já viu qualquer ritual ortodoxo sabe a beleza e profundidade de cada gesto e mesmo de cada detalhe litúrgico. Não me converti ao cristianismo ortodoxo, por enquanto ainda o estudo, com profundo amor e dedicação. No meu blog teologiabizantina.blogspot.com.br apresento traduções da Filocalia e no blog escritoreseslavos.blogspot.com.br/ tento apresentar um pouco o trabalho de grandes teólogos ortodoxos.

Esse blog era para fazer menção maior à minha religião de origem, o catolicismo romano. Ainda que eu tenha grande interesse em Tomás de Aquino, teólogo admirável, por enquanto estou deixando a paixão falar mais alto e vou apresentar um pouco mais acerca da tradição ortodoxa. Se considerarmos que os ortodoxos são católicos também, mas não romanos, pois não reconhecem a supremacia papal e sim a primazia do bispo de Roma, então meu blog não possui qualquer inconveniência de nomenclatura.

Espero que meu trabalho sirva para apresentar ao público brasileiro (ou aos falantes em geral de língua portuguesa), vítimas muitas vezes de um cristianismo tão medíocre intelectualmente e espiritualmente tão estagnante, a possibilidade de conhecer outra tradição cristã, que, ainda que não possa ser seguida ou escolhida como opção para muitos, possa, por eles mesmos, ao menos, ser dignamente respeitada como convém.



Pensamento Bizantino: Uma Introdução

1) Do equívoco à restauração e apreciação.
O que nós dizemos até agora se relaciona ao pensamento cristão em geral ou ao movimento espiritual cristão dos primeiros séculos, especialmente no Leste. Agora, nós nos moveremos até Bizâncio. Apesar do período bizantino ter deixado de ser grandemente ignorado e de ser injustamente tratado por historiadores e frequentemente pela opinião comum, nós não podemos dizer que ele foi plenamente compreendido.

O equívoco fora sempre muito grave. Não devemos nos esquecer que a civilização moderna se vangloriou do fato de ter encontrado o poder durante o Renascimento, quebrando seus vínculos com a Idade Média. Foi no contexto da Idade Média que os Ocidentais viram Bizâncio, o qual eles não conseguiam compreender. Nós não devemos esquecer também as questões religiosas e políticas e os acontecimentos que envenenaram as relações entre os Ocidentais e os Bizantinos. As paixões que surgiram continuaram a viver por eras após a queda de Bizâncio e criaram condições que ainda nos afetam. Assim, a despeito de todo um trabalho feito, especialmente durante os últimos cem anos, de modo que Bizâncio possa ser corretamente compreendido e avaliado, as pesadas nuvens que surgiram do equívoco, da má interpretação e do preconceito, ainda não foram dissolvidas, mesmo em tempos modernos. É crédito da pesquisa acadêmica grega, por meio de muitos de importantes pesquisadores que se mantiveram como pioneiros, juntamente com um número seleto de estudiosos estrangeiros, o trabalho recente de restauração de Bizâncio.

2) Bizâncio, guarda e transmissor dos tesouros antigos gregos.
Hoje, nós estamos em uma posição para dizer que muitos aspectos da civilização bizantina foram vistos objetivamente e foram propriamente entendidos. Bizâncio deixou de ser visto meramente como o zelador dos tesouros da antiguidade Grega, ou como o guarda que manteve estes tesouros com diligência e amor, estudou-os com zelo, até que chegada a hora de seu desaparecimento da cena da história, esse tesouro foi transmitido aos novos povos do Ocidente, que, cheios de criatividade, usaram tais tesouros de modo a criar nossa moderna civilização. Sobre este ponto, nós podemos mencionar o justo comentário do historiador F. Lot que observou que "sem esta ideia engenhosa (ele quer dizer aqui a transposição da capital do Império Romano de Roma para Bizâncio) a civilização helênica teria sido extinguida... e dela teríamos conhecido apenas suas elegantes ruínas" (Prolegomena to the History of the Byzantine Empire, Adolf M. Haekkert, Amsterdam, 1969, footnote 1).

3) O legado distintivo bizantino
Porém esta grande guarda da Antiguidade Grega não pode exaurir a missão história de Bizâncio. Quando nós vemos apenas isso, negamos a Bizâncio toda a criatividade, o que não é correto. De fato, Bizâncio criou uma civilização com sua própria estampa, com unidade e multiplicidade, com maravilhoso brilhantismo, i. e. com características que apenas observamos nas verdadeiras grandes civilizações. Bizâncio deixou as marcas permanentes de sua civilização em sua passagem pela história, que nunca deixou de ser viva e ativa na alma de muitas outras pessoas, especialmente nos Ortodoxos, e nunca deixou de estimular e modelar grandes almas até nossos dias, como as de Dostoievski, Papadiamantis e Rilke.

A criatividade de Bizâncio foi encoberta pelos historiadores da arte, através do tratamento que deram à pintura bizantina, que por algum tempo deixou de ser vista como sem arte ou espalhafatosa, um repetição estereotipada de seus próprios tons convencionais, desprovida de todo conteúdo estético. A pintura  bizantina é vista agora como constituindo um novo grande período da arte, com sua própria textura e essência, com um desenvolvimento surpreendentemente rico e uma multiplicidade maravilhosa de formas e escolas, bem como seu próprio tipo especial de visão. Trabalhos semelhantes foram realizados em outros setores da civilização bizantina, mas não em todos eles. Apenas agora a atenção dos historiadores se voltou para a área do pensamento bizantino; por exemplo, apenas agora esta área atraiu a atenção dos historiadores. Os textos bizantinos relevantes que foram publicados e uma multidão de manuscritos não publicados ainda esperam seus leitores abertos, sem preconceitos, intérpretes e editores que os tragam à luz da cena contemporânea e os mostrem com muito maior extensão as várias etapas e os interessantes caminhos trilhados pelo pensamento dos bizantinos do que eu fiz no meu livro mais recente (La Philosophie Byzantine, Press Universitaires de France, Paris, 1949)

4) A civilização bizantina e a moderna
De um modo geral, a civilização bizantina em sua totalidade ainda não assumiu a posição que lhe pertence no mundo cristão, lugar não apenas no esforço de formar o espírito Cristão, mas também o homem moderno, um movimento que não começou realmente, como muitos pensam, com a Renascença. A prova para isso pode ser encontrada na rota que é ainda seguida pelo estudioso da civilização européia. Grécia- Roma- Idade Média Ocidental - Renascença: este são seus estágios essenciais. Ainda não se avaliou o quanto podemos ganhar com uma melhor compreensão da Idade Média Ocidental, da civilização árabe, da entrada dos eslavos na civilização e ainda mais da preparação para o Renascimento, depois de Roma, se fizermos uma grande parada para os longos séculos da vida civilizada de Bizâncio. O mesmo se aplica à filosofia, que é nosso interesse especial aqui, pois muito se ganharia com um estudo atento dos passos dados pela filosofia no pensamento dos bizantinos.

Durante o último século, os historiadores gregos, como Zambelios e Paparregopoulos solicitaram a necessidade de refutar a teoria alemã do século XIX, do historiador Jacob Fallmerayer (segundo a qual os gregos eram completamente eslavonizados durante a Idade Média), sendo os primeiros a ver a jornada histórica do helenismo (do antigo direito até nossos dias) como um movimento sem brechas e quebras e com uma unidade de vida de um mesmo povo, os Gregos. Isso recentemente tornou-se um ganho indisputável da ciência histórica; e se nós considerarmos quão importante posição o helenismo ocupa no tronco da história da humanidade, podemos entender então a grande significação, não apenas nacional mas internacional, que esta posição adquire, uma vez que a história do helenismo continuará a ganhar maior significação para todos os povos modernos.

5) Filosofia bizantina e a história da filosofia
O mesmo se aplica à história da filosofia. Os filósofos modernos habituaram-se a saltar dos filósofos Gregos para a Renascença, de modo a descobrir lá, como elas criam, os elos e o nascimento do empreendimento filosófico. Como mostramos antes, isso foi uma forma de entendimento limitada e desequilibrada. A Grécia Oriental, Bizâncio, oferece uma oportunidade única para seguir a transfiguração ou transformação da razão Grega para a razão Cristã. Aqui, nós vemos esta transubstanciação passo a passo. Em sua profundidade, a filosofia Bizantina constitui a forma Cristã da Razão grega e da Alma grega. Apenas se virmos o processo histórico neste sentido e entendermos o arsenal da razão, como ela foi formada em Bizâncio e na Idade Média Ocidental, seremos capazes de apreciar corretamente e plenamente medir o trabalho que foi consumado desde a Renascença até o presente. É, pois, um imperativo, se nós tivermos uma pintura plena do processo histórico da filosofia, que passemos de Roma a Bizâncio.


6) A postura espiritual da alma bizantina
Devemos afirmar claramente que Bizâncio não pode ser medido ou pelo mais moderno ou por nossas próprias medidas, ou mesmo pelas medidas da antiguidade clássica, como foi feito em algumas tentativas frívolas anteriores. A chave mais segura para o entendimento adequado de Bizâncio pode ser encontrado se escrutinarmos a postura espiritual da alma Bizantina. Esta é a postura que nos permite entender a unidade que governa todas as expressões criativas desta civilização. Pode ser que para as almas de alguns ou mesmo de muitos hoje, esta postura seja inaceitável. O estudante, no entanto, que deseje adquirir entendimento adequado desta questão ignorará ou superará este obstáculo. Isso se aplica a toda civilização em geral ou a todo trabalho criativo em particular, mas nem sempre a Bizâncio! Por quê? Enquanto nos é muito próximo - especialmente para os Gregos - ao mesmo tempo é radicalmente diferenciado em certos pontos; e isto é, talvez, por que, aparte as razões que mencionamos no início, a obtenção de objetividade para o estudante de Bizâncio transforma-se em uma luta muito difícil.

Qual é, então, a postura espiritual da alma Bizantina? "Se os Gregos antigos", diz o admirador alemão de Bizâncio Sir Galahad, "criaram o sonho mais maravilhoso para a vida, Bizâncio viveu no mais maravilhoso sentido o mistério da Cristandade" (Byzance, Paris, Payot, 1937). Aqui temos, em minha opinião, a chave para o entendimento de Bizâncio, que nos dá sua orientação psicológica, da qual são derivados todos os seus trabalhos criativos e que eles realmente expressam. Quando a Cristandade (resumo Galahad) estava muito maleável e buscava encontrar sua forma, ela se uniu ao Estado Romano. Esta união ocorreu na alma Grega e na atmosfera espiritual Grega. É por isso que foi dado o sagrado Estado Romano da nação Grega, que é Bizâncio. Este acontecimento podia acontecer apenas naqueles dias, quando a alma estava procurando sua salvação muito persistentemente e apenas naquela parte da terra que estava mergulhada numa frutífera tradição religiosa.

7) O Estado Bizantino como encarnação da Cristandade
O Estado Bizantino quis, em sentido de todas as suas atividades, ser uma encarnação da Cristandade, a realização na terra do oráculo Divino. É, porém, como Galahad muito aptamente observa, "uma expressão da tendência geral das pessoas mas ele não constitui uma teocracia a partir de cima, como um Estado teocrático do Leste. Preferencialmente, trata-se do esforço consciente em todas os assuntos em imitar a Ordem Divina, ou transcender a ordem natural. A convicção de que a Cristandade possui o todo, ou a verdade completa, e não apenas sementes dela, conduz o Estado Bizantino e sua sociedade a estabelecer suas operações, atos e instituições na perspectiva da eternidade. Assim, no Mosteiro de Studion (Constantinopla), monges que são 'indormíveis' (ακοιμητοι) rezam dia e noite para que os seres humanos nunca saiam do ritmo certo, mas preservem o contato com o céu. O Imperador aparece com roupas brancas, mais brancas do que a neve, quando outros estão em luto e vestem preto. Morte para ele é algo transparente, algo que já se conquistou. Ele está unido a uma multidão de pessoas de seu Império por meio do misticismo, a assim chamada quarta dimensão da alma, e não por meio de uma popularidade comum" (Galahad, op. cit., p. 49). Seus exércitos, em suas distantes expedições, na véspera da batalha, acendem velas que ficam na ponta de suas lanças, e de joelhos, sob a luz destas velas, cantam hinos sagrados para Deus durante a hora santa das Vésperas. Todas estas coisas, como tudo o mais, mostram claramente que a eternidade é mais tangível e ao mesmo tempo a mais concreta realidade em que a Sociedade Bizantina colocou as fundações de sua vida.

8) A paixão bizantina pela verdade religiosa
Esta é a razão de vermos Bizâncio, desde o Imperador até o último servo e artesão, ser movido profundamente com emoção e sofrimento aos grandes problemas espirituais que se referem à toda sua realidade sagrada, a um tal grau e persistência que ambos constituem um fenômeno único, que merecem muito mais atenção e têm de longe maior significância do que nós temos dado. O grande inciador da sabedoria Cristã, o teólogo Gregório de Nissa, irmão do grande Basílio, expressa seu espanto e intensidade apaixonada em como as discussões teológicas tinham tomado toda a população, e satiriza no texto seguinte:

"E agora há aqueles que, à semelhança dos atenienses, não têm tempo para qualquer outra coisa senão falar e ouvir alguma coisa nova; pessoas de ontem ou do dia anterior, que estão vindo de ocupações selvagens, tornam-se de improviso dogmáticos teólogos, alguns funcionários provavelmente domésticos, que se sentem mestres em seus chicotes, desandam a palestrar para nós sobre coisas incompreensíveis. De qualquer modo, não se consegue ignorar as pessoas às quais me refiro. De fato, todo lugar na cidade, as ruas estreitas, os mercados, as esquinas, a vizinhança são todas cheios de tais pessoas; revendedores de roupas segunda mão, cambistas, comerciantes desonestos de bens domésticos. Se você perguntar a qualquer um deles sobre dinheiro, eles sempre produzirão um discurso filosófico sobre o gerado e o não-gerado (Περι  γεννητου και  αγεννητου); e se você procura saber o preço do pão, você obterá a seguinte resposta, 'O Pai é maior e o Filho, subordinado'. Se, novamente, você fosse dizer que o aparato para tomar banho é confortável, você será instruído que o Filho está fora de tudo (Εξ ουκ οντων). Eu não sei se chamo isso de mal, frenesi ou loucura, ou um tal mal epidêmico que causa perversão do pensamento humano" (PG 46, 557)

Esta ligação, esta dedicação total da alma para objetos espirituais mais elevados, que se tornou objeto da sátira de Gregório de Nissa por conta de seu desvio heterodoxo, constitui a chave segura para o entendimento da civilização bizantina. Tal ligação regula a vida em suas principais manifestações, é elogiada pelos hinógrafos, é cantada pelos melodistas, é expressada pelos pintores e arquitetos, enquanto os pensadores procuram capturá-la e formulá-la. Isto é finalmente o que concede a maravilhosa unidade que apresenta a civilização Bizantina, a característica infalível da grande civilização.

9) O laço entre unidade e multiplicidade
Estudiosos não compreenderam ainda o significado desta estreita unidade da civilização bizantina e acostumaram-se a vê-la, como um organismo de um único órgão, uniforme e sem desenvolvimento. Mas, como dissemos, foram os historiadores da arte os primeiros a serem capazes de entender a textura especial da arte bizantina, a descobrir no interior desta unidade, uma variedade maravilhosa, multiplicidade e movimento. Estou certa que o mesmo se aplica ao pensamento bizantino. Ele nem é de um único órgão, nem sem desenvolvimento, porque até o fim ele pretende tratar de questões dogmáticas e teológicas. Isto é exatamente o que eu tentei mostrar em meu trabalho que eu já mencionei. Há uma diferença no modo como o místico e o racionalista manejam a mesma questão, embora nenhum deles se afaste do dogma. Novamente, o herético tem seu próprio caminho. Então, um aspecto é examinado por um e outro pelo outro. Nunca surge na mente de alguém se perguntar, por exemplo, porque todos os físicos investigam os fenômenos físicos, ou dizer que seu penamento é de um único órgão, sem desenvolvimento. Mas isso é o que foi dito do pensamento bizantino, está ainda sendo dito por aqueles que fracassam em compreender sua profundidade. É nossa conclusão, então, que alguém que deseje proceder com o estudo do pensamento bizantino deva conhecer que a razão bizantina é supremamente religiosa. Com tal pressuposição, pode-se entendê-la como uma religião e também como uma filosofia cristã.

10) O início do pensamento bizantino
Quando o pensamento bizantino começou? A vida espiritual dos primeiros quatro séculos e meio, a despeito da diferenciação anterior entre Leste e Oeste, e mesmo depois da transposição da capital de Roma para a nova Roma (Constantinopla) em 325 d.C. preserva uma unidade que demanda uma investigação particular desta vida como um esforço comum para o estabelecimento da Cristandade. Logo, nós não podemos chamar este período de Bizantino em sua parte oriental, nem mesmo durante o quarto século. A invasão dos Bárbaros no Ocidente durante o quinto século e consequentemente, a dissolução do Estado Romano Ocidental, criou um novo estado de coisas. A partir de então, apesar de ambos os mundos, Leste e Oeste serem Cristãos, cada um deles seguirá seu próprio sentindo distinto e separado. É desde o século sexto em diante que se pode falar no Ocidente sobre Helenismo. Os ocidentais primeiro esqueceram, depois se tornaram ignorantes dos gregos, chegando a perder contato com a tradição grega. Muitos séculos se passarão antes que uma preparação apropriada possa ganhar lugar na alma destas pessoas, o que os fará novamente procurar e descobrir os Gregos; e quando isso ocorrer, os gregos saciarão sua alma sedenta com água rica e frutífera e empurrá-los no caminho de grandes acontecimentos. Os Bizantinos, como dissemos, são aqueles que num ponto do tempo darão os Gregos aos Ocidentais, já que em Bizâncio a tradição grega nunca deixou de estar viva. Ela foi incorporada no mundo bizantino e veio a constituir uma das principais artérias de sua vida. O estudo de Homero e dos filósofos nunca foi abandonado. Esta é a diferença fundamental que separa o Leste do Oeste no quinto século em diante e em muito explica os caminhos que desde agora os dois seguirão. Esta diferença apenas pode ser suficiente para nos ajudar a fixar como o marco inicial para a civilização bizantina e o pensamento bizantino o fim do quinto século.

11) O helenismo cristianizado de Bizâncio
Nós insistiremos um pouco mais nesse ponto, porque ele constitui uma das diferenças mais básicas entre Bizâncio e o Ocidente. É óbvio que os Bizantinos não receberam a tradição Grega em a sua completude. Se o tivessem feito, teriam deixado de ser cristãos. Antes, todo  que eles receberam ganhou um novo conteúdo, por ser introduzido em sua própria vida cristã. É precisamente este novo conteúdo que testifica a originalidade de sua civilização. Mas também o elemento que eles receberam nunca deixou de especificar por sua vez o pensamento dos bizantinos. Tem-se, então, uma dupla operação, onde os Cristãos escolhem certas teses da filosofia grega que passam a adquiri um novo conteúdo com a síntese cristã e que, ao mesmo tempo, abrem novos sentidos de pensamento.

Para dar um exemplo, é no Oeste que o adjetivo "católico" como na "Igreja Católica" vem principalmente significar a Igreja que é espalhada entre todas as pessoas e todos os lugares da terra, i. e., o termo "católico" tem um significado quantitativo. Nós podemos ver isso na linguagem do Império Romano que influenciou tanto a formação da Igreja do Ocidente. Este mesmo adjetivo possui diferentes significados na Igreja Oriental, que não é quantitativo, mas qualitativo. Ele denota uma Igreja que possui a plenitude, a verdade completa e não apenas suas sementes; denota em seu sentido mais profundo a união do homem com o todo, isto é, aquilo que a Cristandade objetivava. O principal objeto do pensamento filosófico no Oriente, em Bizâncio, é a tentativa para compreender o todo, ou a ordem universal e o lugar que o homem possui nela.
Esse é o mesmo objetivo principal da filosofia grega, mas não mais com um significado cosmológico, mas com um conteúdo espiritual cristão. E esta é a razão de ser certo falarmos em Filosofia Bizantina, como eu já falara, a forma cristã da filosofia grega.

12) O impacto do passado e as necessidades do presente
Devemos notar agora que esta referência mais próxima de Bizâncio à tradição Grega não era sem riscos. Ela se manteve um obstáculo para a exploração mais criativa dos novos elementos que o ensinamento cristão importou. Ela fortaleceu o espírito conservativo dos Bizantinos muito mais do que foi requerido. O problema mais importante e mais difícil para qualquer civilização é manter o impacto do passado e as novas demandas do presente em um tal equilíbrio que a criação de novos trabalhos não seja obstruída, embora ela esteja enraizada com o que foi recebido, encarnando assim e expressando as demandas do presente.

13) A luta pela primazia entre a retórica e a filosofia
Deve-se apontar algumas características perigosas que os Bizantinos não rejeitaram. Para se fazer isso nós temos de tomar certa distância. No século II, o famoso sofista Aelius Aristides defendeu com sucesso a visão de que a educação da retórica, que faz dele um mestre no método da linguística, era superior à educação do filósofo. Ele argumentou que a primeira era muito mais eficaz, multilateral e é mais benéfico. Confrontado com a retórica, o filósofo, que é restrito apenas ao uso das armas lógicas, é unilateral, incapaz de se engajar nas lutas da vida, e inefetiva. Este é o velho grande problema que separa Platão e os Sofistas, mas apresentado agora em uma nova forma. Para Aelius Aristides, o homem perfeito é formado não pela filosofia, mas pela retórica, que desenvolve suas habilidades. Esta visão, naturalmente, concede um conteúdo mais largo à retórica, enquanto inevitavelmente torna a filosofia  intoleravelmente estreita, restringindo-a, como diríamos hoje, apenas ao funcionalismo técnico.

Nós, no entanto, não pararemos neste ponto, mas em outro. Falar neste sentido sobre retórica significa que a razão é principalmente vista em sua relação com o ouvinte. O retórico é melhor educado porque ele possui  o modelo ou o molde da razão; e com o grande poder que a razão dá àqueles que a possuem, pode-se persuadir seus ouvintes. Neste sentido, no entanto, a razão torna-se uma matéria externa e uma arma, como uma espada. Assim, a luta interna da razão - razão em sua luta interna com a realidade - escapa a atenção daqueles que defendem a retórica, que o vê no contexto do homem como um ouvinte. A luta real, porém, é conectada com a conquista da realidade, a verdade, e não com a persuasão, ou, como Sócrates coloca, a primeira é melhor mesmo para o próprio homem. Estas observações são suficientes para mostrar que tipo de espírito prevaleceu na educação durante os primeiros séculos da era cristã, pois Aélios Aristides exerceu uma grande influência. Os mais importantes representantes dessa tendência foram os sofistas, que eram então famosos professores de universidades. É este espírito que é também inspirado pelas diatribes, os sermões, isto é, os Estoicos e Cínicos. Este é também o espírito que os Cristãos aceitaram sem muita dificuldade. Isto foi natural, já que seu discurso era ao mesmo tempo principalmente a pregação de uma nova religião e não a investigação dela. Nós não devemos esquecer que muitos dos grandes Pais da Igreja eram discípulos dos Sofistas.

A ligação bizantina com o aticismo
Esta volta á forma da razão, a preferência pela retórica, foi rapidamente aliada com outro formalismo, que vai pelo nome do 'aticismo' (αττικισμος). Muito rapidamente, os autores cristãos, seguindo os pagãos, vangloriaram-se de suas habilidades para escrever na forma Ática, para imitar a linguagem ática dos autores clássicos. Assim, Aeneas Gazaeus (de Gaza, Palestina, que foi um importante centro de estudos clássicos durante os séculos quinto e sexto), congratula Teodoro o Sofista pelo seu bom estilo linguístico que fizeram as crianças dos Atenienses que vieram de gaza aprender como aticizar. Esta volta ao Atticismo, que com algumas flutuações, preservou-se até o fim de Bizâncio, foi decisiva para o desenvolvimento tanto da prosa quanto do pensamento dos Bizantinos. Sua alma, voltada ao passado, fascinada pela forma literária alcançada pelo discurso ático, acabou esquecendo e negligenciando seus próprios tesouros. O que a impediu de tentar novas formas, de dar nova forma às suas criações. A literatura bizantina como um todo teria certamente apresentado uma pintura diferente se tivesse seguido os Evangelhos em sua forma literal.

O aticismo testemunhou mais do que qualquer outra coisa para o poder grande e imponente da literatura grega. Nós podemos facilmente entender e explicar porque os autores pagãos eram aticistas; mas para os autores cristãos ser aticista e mesmo forte defensor do aticismo, como nós vemos no caso de Aeneas, pode apenas ser explicada pelo reconhecimento que eles não podiam ser libertados do poderoso impacto da palavra Grega. Eles se esqueceram que a palavra do Evangelho foi atualmente dirigida para o povo simples, 'aos tolos' e que ela veio superar a sabedoria cultivada dos sábios da terra, sendo por isso vista como loucura. Eles abandonaram como imprecisa a linguagem do Evangelho e despiram seus pensamentos com o embelezamento do discurso ático.

15) Retórica bizantina, aticismo e filosofia
Pode-se perguntar, porém, "qual relação há entre filosofia e o amor pela retórica e aticismo?" Para isso nós podemos responder que filosofia não é expressa por símbolos numéricos ou designs geométricos como a matemática. Na matemática, o papel da fala é muito pequeno e mesmo insignificante. Filosofia, porém, é expressa com palavras. Em sua forma mais elevada, é sempre uma expressão espontânea de silogismos. Quando, consequentemente, ela procura encontrar em outros os protótipos da forma de seu discurso, ela incorre sobre um efeito prejudicial para seu próprio pensamento. Então a forma não é uma modelagem externa, mas é hermeticamente limitada pelo conteúdo e como tal, é preenchida com substância real. Nós entendemos isso bem quando nós comparamos textos de filósofos que pertencem à mesma época como, por exemplo, aqueles de Platão e Aristóteles.

Este foi um preço alto pelo qual Bizâncio pagou deixando sua alma transformar o passado mais do que deveria ter feito. Nós não devemos, porém, exagerar neste ponto. Quando as grandes personalidades de Bizâncio sentiram suas almas preenchidas com a Iluminação da luz do Evangelho, eles ficaram muito próximos, de fato, à linguagem do Evangelho. Por exemplo, o grande Crisóstomo escreveu seus profundos sermões com a simplicidade evangélica, enquanto Máximo o Confessor (século sétimo) foi rebatizado na fonte original. O austero Fócio achou sua linguagem inadequada. Mas nós podemos também mencionar como exemplos muitos dos autores místicos e ascéticos.

16) O início da tradição cristã e a ortodoxia em Bizâncio
No entanto, não é apenas a tradição grega que exerceu uma influência restritiva em Bizâncio. O mesmo foi feito, como podia ser esperado, pela tradição cristã dos primeiros séculos cristãos em outras áreas essenciais. Obviamente que me refiro à tradição que começou a tomar forma já no Primeiro Sínodo Ecumênico (Nicea, 325 d.C.), a tradição da Ortodoxia. Desde o início, Bizâncio subjugou-se à Ortodoxia, com alguns altos e baixos. O quinto Sínodo Ecumênico (Constantinopla, d.C. 553) especifica com sua denúncia o contexto no qual o pensamento teológico é agora convocado a proceder. Bizâncio deseja ser Ortodoxo. A Ortodoxia passa a ser de agora em diante a principal estima do pensamento bizantino. É a ortodoxia que dá o o tom, e é em torno disso que todas as batalhas espirituais terão vez. O objetivo principal dos primeiros séculos cristãos era estabelecer como a Cristandade e como seu espírito poderiam ser apreendidos. O interesse principal será agora como apreender e expor a Cristandade Ortodoxa. O espírito não era incerto, e obviamente ausente neste novo período. Novos movimentos ocorreram, e novas visões foram expressas, que muitas vezes vieram a perturbar a tranquilidade espiritual e forçaram a mente em profundas investigações. Tais movimentos, também se tornaram aceitos, depois de intensa luta, como o Hesicasmo (no século XIV) ou foram reprovados e rejeitados quando a investigação os expunha como heréticos ou prejudiciais (como o Monotheletismo, Iconoclasmo, Paulicianismo, etc. )

É importante, creio, lembrar-nos neste ponto aqueles elementos que testemunham a imposição sobre Bizâncio das tradições grega e cristã dos primeiros séculos cristãos e que deram o contexto no qual o pensamento Bizantino se movia, bem como a sinalização que definiria e escolheria seu trabalho.